3.7.13

Bem-vindos ao Museu da Tortura

(...)

“Há alguma diferença entre uma peça verdadeira e uma peça falsa em coisas como estas?”
“Mas claro que sim. Só consideramos uma peça como verdadeira se ela foi realmente usada para torturar alguém. Se a intenção dela é servir como decoração, então é falsa.” Virou-se e apontou para a parede. “Ora bem, podemos começar por aqui?”
Um conjunto de quatro anéis, cada um pendurado numa corrente, tinha sido montado um pouco acima do chão. Parecia um mecanismo de um número de circo ou de magia. O metal estava ferrugento e havia manchas castanhas no papel de parede por trás.
“Os anéis eram colocados nos pés e nas mãos da vítima, e depois havia cavalos que puxavam as correntes em direções diferentes. É um instrumento relativamente convencional, usado na França no início do século dezoito. Nos últimos anos, substituíram os cavalos por guinchos, para que a dor fosse infligida em proporções mais cuidadosamente calibradas, que é o intuito principal no que toca à tortura.”
O homem tinha pronunciado as palavras «cuidadosamente calibradas» com especial atenção.
“Aqui temos esta correia de couro e o alicate. O pulso da vítima era amarrado a uma mesa com a correia, e o alicate servia para extrair as unhas. Repare nas pontas invulgarmente finas do alicate.”

Devia ter sido um efeito provocado pela luz, mas a correia parecia húmida. O alicate era quase inofensivo.

(...)

“Esta peça é relativamente rara. É originária do sul do Iémen.” O homem parecia estar a ganhar força à medida que avançávamos.
“É só um funil,” disse eu.
“Sim, mas um funil especial. A vítima é deitada e imobilizada, e o funil é usado para lhe pôr água gelada a pingar na cara, uma gota de cada vez.”
“E é isso a tortura.”
“Com certeza que sim – uma das mais brutais, de fato.” Pegou no funil e segurou-o cuidadosamente nas mãos. Era feito de um metal fosco prateado como a cor do cabelo dele. “Para a tortura surtir efeito, a dor tem de se propagar; tem de vir em intervalos regulares, com nenhum fim à vista. A água cai, gota atrás de gota atrás de gota, como o ponteiro dos segundos de um relógio, esculpindo o tempo. O impacto de cada gota é insignificante, mas a sensação é impossível de ignorar. De início, uma pessoa até pode pensar noutras coisas, mas após cinco horas, após dez horas, torna-se intolerável. A estimulação repetitiva excita o nervo até a um ponto em que ele explode literalmente, e qualquer sensação no corpo é absorvida por aquele ponto na testa – de fato, começamos a sentir que não somos mais que uma testa, na qual nos espetam uma agulha milímetro a milímetro. Não conseguimos dormir ou até falar, hipnotizados por um sofrimento que é maior que qualquer dor. Geralmente, a vítima enlouquece ao fim de um dia.”
Devolveu o funil ao seu lugar.

(...)

“Agora esta é absolutamente única,” disse o homem. “Temos bastante orgulho nela.” Segurava o que parecia ser apenas outro par de pinças. Tinha manchas no sítio dos dedos.
“A dor que era infligida lembra a do funil que acabámos de ver, mas é de uma variedade mais grosseira. Estas eram usadas para extrair o cabelo das vítimas, um de cada vez.
“Acho que não entendo,” disse eu.
“Creio que soa um pouco estranho,” disse, acenando e tocando no laço ao pescoço outra vez. “Os cabelos são extraídos um de cada vez, um processo que requer perseverança e uma paciência infinita. Até o escalpe ficar completamente exposto.
“É horrível ficar sem o cabelo todo. Quando os nazis levavam prisioneiros para os campos de concentração, a primeira coisa que faziam era raparem-lhes a cabeça para os despirem da humanidade deles. Na verdade, isso não causa dor nenhuma, mas nós estamos acreditamos que a nossa própria existência está de alguma maneira ligada ao nosso cabelo.”
“Tem razão,” disse eu. “Eu sou esteticista, sei disso.”
“Então conhece a essência desta tortura. Ela é realizada numa sala repleta de espelhos. Assim, por mais que a vítima tente afastar o olhar, é forçada a ver-se a si própria a ficar careca. O procedimento consome muito tempo, mas é importante que os cabelos sejam removidos um por um. Se arrancarmos alguns de uma só vez, perde-se o efeito. O sofrimento vem de um moroso mas constante sentimento de perda – em conjunto com a pequena dor que a vítima sofre cada vez que se lhe arranca um cabelo. De início, não é nada, mas quando repetido milhares de vezes, dezenas de milhares, centenas de milhares, torna-se na mais requintada e inimaginável dor.”

(...)


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