20.11.12

Carta de Anaïs Nin

via letters of note


Nos anos 40, numa altura em que ganhava $1 Dólar por página escrevendo ficção erótica para consumo privado de um cliente anónimo – em conjunto com um colectivo de outros autores em que se incluía Henry Miller –, a autora Anaïs Nin escreveu a seguinte carta ao Colecionador e expôs as suas frustrações, frustrações essas causadas pela sua repetida insistência em “deixar de fora a poesia” e em vez disso “concentrar-se no sexo”.
Algumas dessas histórias escritas por ela foram publicadas no livro Delta de Vénus.

Caro Colecionador,

Nós odiamo-lo. O sexo perde todo o seu poder e magia quando se torna explícito, mecânico, exagerado, quando se torna numa obsessão mecanicista. Torna-se num tédio. Você ensinou-nos mais que ninguém que eu conheça o quão errado é não misturá-lo com a emoção, a fome, o desejo, a luxúria, o capricho, as ligações pessoais, com as relações profundas que lhe alteram a cor, o sabor, os ritmos, as intensidades.

Você não sabe o que perde com a sua análise microscópica da actividade sexual na exclusão de outras, que são o combustível que a acende. A intelectual, a imaginativa, a romântica, a emocional. É tudo isto que dá ao sexo as suas texturas surpreendentes, as suas transformações subtis, os seus elementos afrodisíacos. Você está a limitar o seu mundo de sensações. Está a murchá-lo, a esfomeá-lo, a drená-lo do seu sangue.

Se alimentasse a sua vida sexual com todas as excitações e aventuras que o amor injecta na sensualidade, você seria o homem mais potente do mundo. A fonte do poder sexual é a curiosidade, a paixão. Você está a assistir à sua pequena chama a morrer de asfixia. O sexo não floresce com a monotonia. Sem sentimento, invenções, humores, sem surpresas na cama. O sexo deve ser misturado com lágrimas, riso, palavras, promessas, cenas, ciúme, inveja, todas as especiarias do medo, de uma viagem ao estrangeiro, de caras novas, novelas, histórias, sonhos, fantasias, música, dança, ópio, vinho.

O que está a perder com esse periscópio na ponta do seu sexo, quando poderia disfrutar de um harém de maravilhas discretas e irrepetíveis? Nem dois cabelos, mas você não nos permite desperdiçar palavras na descrição de cabelo; nem dois odores, mas se nos alongamos nisto, você clama para que deixemos “de fora a poesia”. Nem duas peles com a mesma textura, e nunca a mesma luz, a mesma temperatura ou sombras, nunca o mesmo gesto; porque um amante, quando possuído pelo verdadeiro amor, pode percorrer toda a gama de séculos da sabedoria do amor. Quanto alcance, quantas mudanças de idade, quantas variações de maturidade e inocência, perversidade e arte, que animais naturais e graciosos.

Sentámo-nos durante horas imaginando o seu aspecto. Se você se fechou e aos seus sentidos à seda, à luz, à cor, aos odores, às personagens, ao temperamento, já deve estar por esta hora completamente murcho. Há tantas sensações menores, todas tributárias do fluxo do sexo, que o alimentam. Só o batimento do sexo e o do coração podem unidos criar o êxtase.

Anaïs Nin

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