22.5.12

Faz hoje [1909] 75 anos que o infante D. Miguel de Bragança, estando em Coimbra com a sua côrte, mandou proceder à abertura do tumulo do fundador da monarchia, que está, como é sabido, na igreja de Santra Cruz d'aquella cidade. O mausoleu que encerra o precioso deposito não é primitivo; mas outro, para onde se verificou a trasladação feita em 16 de Julho de 1520 por ordem de D. Manoel, que assistiu a essa cerimonia.
Em 1732 foi novamente aberto o tumulo quando se tratou de fazer canonizar D. Affonso Henriques.
A Gazeta de Lisboa, nº 258, de 1832, diz o seguinte sobre a abertura do tumulo ordenada por D. Miguel:
«Aberto o tumulo achou-se um pequeno cofre de madeira de cedro, junto a outro maior, existindo sómente no menor alguns restos de ossos pequenos, que indicavam ter sido de algum menino, mas tudo o mais reduzido a terra ou cinza; e no segundo cofre maior, que se achava ainda coberto com um resto de tela rica de ouro e prata, com franjas d'esta qualidade, se viu sobre a tampa que teria 3 e meio até 4 palmos de comprimento uma chave de ferro a qual tinha sido dourada; e no mesmo um frasco de vidro faceado, com a base de 3 polegadas quadradas e 1 de altura, rolhado e lacrado, com as armas reaes em cima e uma inscripção em baixo dizendo: «Noticia do que se passou em o mês de Setembro de 1732» - tendo este frasco dentro um esbrulho escuro com letras mas pegado ao fundo do vaso no qual depois de examinado se encontrou duas escrituras em pergaminho muito destruidas, confusas ou mal legiveis as letras, porque a humidade havia atacado o pergaminho em que estavam, e se pôde perceber que uma era em português e de caracter de letra moderna, isto é, de pouco mais de um seculo, e outra em latim, tambem de igual letra, sendo provavel explicarem ambas referencias a mais antigos tumulos, quando em setembro de 1732 se abriu o tumulo real, como diz o letreiro no fundo do vaso; e na escritura latina se pôde ver que fallava de sr.ª D. Teresa, mãe de D. Affonso Henriques.
No segundo cofre maior encontrou-se os despojos mortaes da rainha de Portugal, D. Mafalda, esposa de D. Affonso Henriques e por estarem muito arruinadas as madeiras e mesmo os ossos, ordenou o infante que se passasse para melhor cofre. Por baixo d'este cofre achou-se um outro tambem de cedro e com outra chave como a primeira e restos de cobertura de tela igualmente de prata e outro, com xadrez de côres já muito desbotadas. Abriu-se a tampa d'este terceiro cofre, que teria 6 palmos [ca. 1,80m] de comprido e nelle se achavam os ossos de D. Affonso Henriques. A sua caveira estava inteira, e mostrava ainda todos os dentes no seu logar, menos um; as dimensões do craneo e mais parte da cabeça eram grandes, e proporcionados os ossos dos braços e pernas, os quaes comparando-se com os da figura superior do tumulo, se achou perfeitamente coincidirem com as dimensões respectivas, tendo esta figura dez palmos de comprimento [ca. 2 metros de altura], como refere a historia ter havido de altura o mencionado rei a quem representa vestido de ferro, colocado de costas tendo uma almofada de pedra por travesseiro e um leão dourado aos pés».
(Do Diario de Notivias, de 23 de Outubro de 1907).

in O Archeologo Português, nº 1 a 8, vol. XIV (Jan. a Ago. de 1909)

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